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Perfis / Conto / Crônicas

RETRATOS DA PERIFERIA

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ÁGUA MOLE EM

PEDRA DURA

Itaquera, que em tupi-guarani significa “Pedra Dura”, faz jus ao ditado popular: terra de gente persistente, que faz a vida acontecer no lado leste do mapa

Gabriela Alves 

Eis a terra de gigantes. Itaquera, bairro com população de cidade – segundo levantamento da prefeitura, são 523.848 habitantes - não tem vergonha de ser intitulado de periferia. Afinal de contas, o é. Localizado no chamado extremo leste, tem em suas entranhas incontáveis becos e vielas, como veias e artérias de um sistema cardiovascular, que contam histórias e nos leva aos pontos principais desta narrativa que se propõe a descortinar o distrito, mas sempre na contramão de qualquer estigma.

Itaquera tem poesia, em Itaquera o astro rei também brilha numa tarde bonita, em Itaquera crianças também correm livremente na contraluz do sol e sentem o vento bater em seus rostos enquanto o pedaço de papel de seda geometricamente preso em varetas de bambu voa pelo ar. A pipa é a liberdade das tardes de férias que enfeitam os céus periféricos da cidade. Em Itaquera há fé e convicção de que Deus (ou aquilo que cada um acredita ser Deus) não esquece os povos dos extremos.

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Há poesia em Itaquera. Foto: Gabriela Alves

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A gênese de Ita-Aker (em guarani) está datada em 6 de novembro de 1686, e emerge como bairro de São Paulo a partir de uma área rural. Os que hoje fincam suas vidas no local, colhem as semeaduras plantadas no século XIX e XX, quando a Roça Itaquera ainda era um vasto espaço próximo à aldeia de São Miguel. O conhecido centro de Itaquera, que atualmente é dominado pelo comércio e oferece algumas opções de lazer aos Itaquerenses, era cercado por sítios e chácaras, que, divididos em lotes populares, deram origem às primeiras regiões, como a conhecida Vila Carmosina.

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Região do terminal de ônibus, metrô, CPTM e Shopping Metrô Itaquera. Ao redor, uma das comunidades Itaquerenses. Foto: Gabriela Alves

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“QUANDO EU CHEGUEI, AQUI ERA TUDO MATO”

Quando os avós, pais ou outros ascendentes desejam enfatizar que estão há muito tempo em um lugar, geralmente usam a frase “quando eu cheguei aqui, era tudo mato”. O povo do bairro, como característica de uma família acolhedora, também gosta de mostrar o quanto acompanhou o crescimento da região. Os mais velhos contam com muito carinho e, como se Itaquera fosse um neto querido, sobre as evoluções do território.

Itaquera é um portal para a zona leste de São Paulo, bem como um sinônimo dessa área geográfica da cidade. Entre os inúmeros condomínios do conjunto habitacional popular, conhecido como COHAB, entregues no início dos anos 1980 pelo prefeito Reinaldo de Barros, muita coisa já aconteceu e muitas marcas foram deixadas. Violência, ausência de investimento, educação precária também existem, as problemáticas estão presentes no bairro de forma pungente, mas o orgulho de nascer, crescer ou conhecer Itaquera também reluz nos olhares de quem fala sobre o bairro pedra dura.

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Entre o caos e a arte, descaso e destaque: contrapontos importantes do bairro. Foto: Gabriela Alves

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A periferia se orgulha das raízes, se orgulha de quem é. Se o poder público mostra cegueira diante das necessidades, o povo, em contrapartida, mostra a sua potência. Um bairro dito periférico também pode tornar-se além de morada, trilha sonora da realidade, tornar-se verso.

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SOU DE ITAQUERA, LUGAR DE GENTE BAMBA

Itaquera vai muito além do bairro do estádio. Em 2014, foi sede do primeiro jogo da Copa do Mundo, das Olímpiadas em 2016 e da Copa América 2019. Entre ruas curtas, como a Emílio Serrano, que sedia uma praça com campinho coberto de areia, símbolo de um bairro marcado pelo futebol de várzea, e grandes avenidas como a Virginia Ferni, ponto de antigos fluxos de funk tomados por jovens sedentos por espaços públicos de qualidade, a vida acontece e clama por atenção. Milhões de reais foram investidos na Arena Corinthians (também motivo de orgulho neste oceano de corinthianos, que ostenta o título de “time do povo”), mas muitas famílias também perderam suas casas em desapropriação de terras ao redor da construção, para que as comunidades não espantassem os gringos, que visitariam o local para assistir aos jogos.

Praça Brasil e os lendários shows de pagode nos anos 1990 e início dos 2000, Parque do Carmo com a festa das cerejeiras, Parque Raul Seixas, SESC Itaquera, um aquário repleto de atrações, casa do rock com Aquarius e O Kazebre: o distrito tem o seu valor. Como diz o enredo da Escola Leandro de Itaquera “sou de Itaquera, lugar de gente bamba. Comunidade, berço do samba”, é lugar de pluralidade e com muita história para contar. Populoso, o bairro recebeu na década de 1920 a comunidade japonesa que passou a plantar pêssego. Por causa disso, o nome de uma das principais avenidas de Itaquera é a Jacu-Pêssego, que se tornou uma das maiores vias de acesso na região.

Itaquera do expresso leste, do vaivém de ritmo frenético na estação de metrô e terminal de ônibus, de um dos Mc Donald’s mais frequentados do mundo inteiro, do parquinho Marisa que embala a diversão dos moradores no sábado à noite. 

Bairro das escolas Maria de Lourdes, Ruth Cabral, Francisco de Assis (o “Choquinho”), Anísio Teixeira, Fadlo Haidar. Bairro de destaque e de descaso. Lugar de “água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”, pois é morada de gente persistente e que todos os dias também enxerga o seu lugar ao sol no horizonte de um dos maiores distritos de São Paulo. Nem as máscaras dos problemas modernos calam este povo.

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De um lado, um cartão postal do bairro: o parque Marisa. De outro, um povo incansável: nem os problemas modernos são capazes de silenciá-los. Foto: Gabriela Alves

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GABRIELA ALVES

Estudante de Jornalismo na Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação.

@agabigabriela

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