Menina doce e de pele escura nasceu na favela com a alma pura. Sonhadora, desde o primeiro dia na escola sonhava em ser médica, sem ao menos saber as surpresas do mundo lá fora. Na escola, era sempre a mais inteligente, se esforçava desde cedo e esbanjava educação com todos aqueles que a rodeavam. Sua mãe Maria Lúcia era empregada doméstica e além de Cecilia tinha mais duas crianças.

Ceci, sua mais nova não é sua filha de sangue e sim de coração. Encontrada com apenas três dias de vida, a criança já nasceu para vencer na vida, a partir do primeiro choro. Abandonada pela mãe biológica logo após seu nascimento, ganhou um lar humilde de muito amor e carinho.

Foi com esse amor, que a doce garota se tornou cada dia mais uma pessoa de um grande coração e com brilhos nos olhos para se conquistar seus sonhos.

Já na adolescência, ela nunca desistiu do que mais almejava, a medicina. Frequentava escola pública desde sempre, se esforçava e dava o seu máximo para conseguir uma bolsa em uma faculdade pública, ela sabia suas reais condições, jamais conseguiria cursar uma universidade privada.

Conseguiu bolsa integral em um dos melhores cursinhos, e se dedicou cada dia mais, dias e noites. Amigos? Ceci só pensava nos livros, sua mãe brigava sempre.

- Minha filha, saia um pouco com seus amigos, tome um sol.

- Mãe, depois que eu me formar terei muito tempo para os meus amigos.

O primeiro vestibular veio, e com ele a ansiedade, incertezas e angústia. Medo do que enfrentaria.

Passadas as horas, finalizou sua tão temida e aguardada prova. Resolveu descansar até o resultado, que veio de forma negativa, não foi dessa vez que ela dava o primeiro passo no seu sonho. Desanimada, a menina sonhadora já estava com a luz apagada.

Cecilia, precisava ajudar em casa, a situação não estava das melhores.

Conseguiu um trabalho que lhe consumia todo o seu tempo e o restava ajudava sua mãe em casa e ia dormir.

Um dia, no percurso do trabalho dentro do ônibus lotado, presenciou uma cena que por um momento a fez congelar, uma senhora sofria um infarto dentro do transporte, Cecilia não sabia o que fazer e como ajudar. Sem pensar duas vezes, pediu ajuda do motorista, que lembrou que estava próximo a um hospital e fez questão de ajudá-las, parou na porta do pronto socorro e com a ajuda de outros passageiros, auxiliou a jovem. Naquele momento, ela não se lembrou do trabalho, não se lembrou de nada mais, só se importava em ajudar a pobre senhora.

Ceci, aguardou os médicos realizarem todos os procedimentos, tentou avisar os familiares, que por fim conseguiu contatar a filha, que chegou o mais rápido que pode. O sol já dava lugar à lua quando a jovem explicou o ocorrido e disse que precisava ir embora. Não se deu conta que já havia se passado o dia todo, assustou em ver o céu anoitecer, pegou o transporte público, encostou sua cabeça na janela e refletiu sobre o seu dia e sua vida. Ao chegar em sua casa, sentou-se para conversar com a sua mãe e lhe contar sua decisão.

- Mãe, eu quero mais do nunca e nasci para ser médica. Preciso me dedicar para realizar esse sonho.

Sua mãe, com os olhos marejados depois de saber a ação de sua filha com a senhora, lhe respondeu.

- Minha filha, eu sempre irei te apoiar. As coisas podem apertar. Mas vamos conseguir, e você se tornará médica.

No dia seguinte, depois de pensar a noite inteira chegou à decisão de pedir demissão. Voltou a sua incessante rotina de estudos. Não parou até conseguir ver a palavra APROVADA, em sua faculdade dos sonhos, e depois de 2 anos de tentativas, ela finalmente conseguiu.

Cecilia, era a mais nova estudante de medicina de uma das melhores faculdades do Brasil. Estudou, deu o seu melhor, chorou, pensou em desistir, só que em todas essas vezes, ela lembrava sua trajetória e do caminho difícil até ali.

Durante esse período, grandes foram suas batalhas. Ela sempre foi uma garota humilde, estudando junto com colegas que tinham dinheiro e melhores condições. Nunca abalou aquela que pensava na vocação que nasceu para exercer.

Dia 31 de janeiro de 2016, formou-se em Medicina Cecilia Gomes Miranda Alves.

Após toda sua trajetória, ela simplesmente descreveu o que sentia.

Eu sempre tive a esperança de que conseguiria me tornar médica, mas ao mesmo tempo eu tinha certeza de que o caminho até aqui seria mais difícil que tudo.

Eu cresci em uma comunidade no Heliópolis, enquanto minha mãe trabalhava como empregada doméstica em casas de madames, eu catava latinha com meus irmãos para conseguir comprar lanche para escola. Nunca foi fácil, minha mãe tirava da boca dela para nos alimentar. Eu disse que venceria na vida, para que ela descansasse durante sua velhice. Hoje eu posso afirmar mãe, a senhora pode descansar, eu virarei plantões para te dar do bom e do melhor, você é o meu maior exemplo.

Obrigada por nunca me deixar desistir dos meus sonhos, com carinho.

Dra. Cecilia Gomes.